Inclusão digital na educação pública

É inegável os avanços que as tecnologias atuais trouxeram para os meios produtivos, prestação de serviços, comunicação e ambientes financeiros. Temos máquinas modernas nas fábricas, equipamentos de última geração a disposição de pessoas, conectividade imediata e quase onipresente, transações econômicas totalmente digitais e autônomas em nossa realidade. Entretanto todos estes avanços ainda não se fazem tão presentes no meio educacional público brasileiro, onde acontece a formação acadêmica e profissional das classes sociais mais frágeis da sociedade. Enquanto na esfera econômica os investimentos são atualizados constantemente ainda temos escolas em que os processos pedagógicos acontecem de forma analógica e artesanal.

Mesmo sabendo que a educação – quando se utiliza adequadamente das modernas tecnologias – pode contribuir para a formação de cidadãos mais capazes de viverem e trabalhar nesta nova realidade, ainda vemos que a inclusão digital não se tornou uma presença comum no cotidiano de estudantes e professores. Governos sempre alegam os altos custos envolvidos na tarefa de dotar as escolas públicas da educação básica com tecnologias atuais e restringem seu uso, quando fazem, aos setores administrativos e de monitoramento de resultados. Não promovem adequadamente o desenvolvimento de seus profissionais de educação para um trabalho sintonizado com a realidade dos estudantes, já familiarizados com as redes e interações digitais. A escola como centro de desenvolvimento de habilidades e competências para o mundo atual e futuro ainda o faz com os mesmos recursos do século passado.

Quando pensamos em exclusão digital, e não a desassociamos das suas causas, encontramos imediatamente as desigualdades culturais, econômicas, sociais e políticas características das sociedades de classe. A disparidade de renda e questões historicamente construídas em favor das classes dominantes revelam novamente um modelo onde a massa trabalhadora permanece em desvantagem. E este cenário é o que encontramos no sistema de educação pública básica de nosso país.

No lado das classes com maior disponibilidade de renda encontramos a educação oferecida, na maioria das vezes, em instituições mais bem aparelhadas, com mais investimento na formação e capacitação de seus profissionais e, naturalmente, estudantes com conectividade e uso de computadores, tablets e smartphones mais atuais oferecidos pelas famílias. No outro extremo temos uma situação contrastante, com escolas sem os recursos modernos ou já obsoletos, infraestruturas sem a devida manutenção e, consequentemente, sem conectividade adequada ou até mesmo inexistente, representando bem o que Demo (2005) define como políticas pretensamente universalistas “mas que são coisa pobre para o pobre”, evidenciadas, por exemplo, pelo abandono e sucateamento de laboratórios de informática.

Entre os trabalhadores em educação vemos que a situação também não tem o devido cuidado – até mesmo pela deficiência das condições mencionadas – e praticamente inexistem compromissos em tornar viáveis e comuns o uso das tecnologias digitais nas atividades pedagógicas. Mesmo que os professores queiram fazer uso dos recursos tecnológicos não recebem, ainda, o devido apoio na sua formação docente para o êxito destas iniciativas e elas acabam se tornando apenas uma nova forma de fazer o tradicional, causando cansaço e apatia dos estudantes. Esta precariedade é, também, o resultado de uma construção da Escola como instituição (Cysneiros, 2007), que se prende a educação bancária evitando ousar em novas maneiras de aprender, e que, não se preparando, permanece com as práticas antigas e contrárias a realidade, discrimina seus estudantes na medida em que não desenvolve nestes a capacidade de compreender, interpretar e reconstruir criticamente as novas possibilidades e relações que as tecnologias trazem (Demo, 2005).

Questionamos, na maioria das vezes, os posicionamentos dos governos e a falta de investimentos contínuos nas estruturas de tecnologias para educação nas escolas, mas esquecemos que temos realidades onde a tecnologia é subutilizada ou ignorada, como apontado antes. Os educadores também devem assumir seu protagonismo e provocar transformações na forma como encaram estas novas ferramentas educacionais e não podem permitir que outras insatisfações cerceiem a seus estudantes a oportunidade de acesso e desenvolvimento. Pois, segundo Célio et al. (2013), a inclusão é mais a democratização e uso correto do conhecimento do que a tecnologia em si, que se configura como o meio pelo qual os usuários se conectam à informação.

Este aspecto da motivação dos educadores para as transformações tecnológicas na educação muitas vezes não é percebido, mas dele pode resultar uma profunda mudança de paradigmas, pois na medida em que a demanda surge no chão da escola esta se torna uma chama capaz de aquecer e modificar estruturas muito sólidas e antigas que aprisionam novas práticas e novos olhares pedagógicos. É comum que existam muitas falam e debates acerca da necessária justiça social e acesso de todos aos recursos e oportunidades de transformação da sociedade, mas estes discursos devem sair dos palanques políticos e das cátedras em que muitos especialistas se assentam e tornados realidades e situações concretas de constantes transformações. Do contrário serão apenas palavras para lotar periódicos e dar vazão a desabafos. Para Célio et al. (2013), a equidade no uso dos recursos tecnológicos na educação é uma aliada contra a exclusão social, pois ao inserir os estudantes no mundo digital oferecemos uma gama de subsídios essenciais para o acesso à cultura, ao trabalho, à educação, à informação e, sobretudo, ao conhecimento.

Inclusão digital e social é uma revolução que deve começar dentro das escolas, pois o sentido é justamente dotar os sujeitos alvo da sua existência das condições de desenvolvimento cultural, social e acadêmico; pois serão eles que irão potencializar sua inserção no mundo contemporâneo em todos os aspectos e não somente para o trabalho. O objetivo social e, por isso político, da escola é promover as transformações na sociedade na medida em que democratiza ferramentas e contribui para que todos tenham, através de suas ações, oportunidades de sucesso.

A inclusão digital na educação é uma necessidade que ainda precisa ser tornada realidade em todo o país e cabe às escolas e seus profissionais de educação contribuírem positivamente para que isto aconteça. Não adianta permanecer na ladainha de que faltam computadores, não recebem a formação adequada, estão sem conexão com a internet e tantas outras alegações para adiar esta realidade. Hoje a tecnologia está em todos os lugares e atividades humanas, desde aplicativos em que resolvemos nossas vidas financeiras, pedimos um veículo de transporte, compramos comida, buscamos emprego ou nos relacionamos com outras pessoas; mas ainda falta tornar toda esta tecnologia a serviço da educação, do acesso à informação e ao conhecimento, fazer com que as mobilizações e participação sociais e políticas também superem os limites geográficos para que transformações e desenvolvimentos aconteçam.

O atual cenário de pandemia foi a demonstração clara e concreta que mostrou ser viável os recursos tecnológicos estarem aliados à função da escola e ao papel singular dos professores, que – se viu agora – não pode ser substituído por nenhum dispositivo eletrônico, como antes não o fora com os livros de papel. A escola é mais que espaço de enfileiramento de crianças e jovens em salas de aulas, ela é um espaço privilegiado de acesso ao conhecimento, de democratização de oportunidades e de incentivo aos debates que possibilitarão a formação de pessoas cidadãs e politicamente participativas.

E esta escola tem que despertar, modificar e reconstruir suas práticas e permanecer “sempre online” nestes cenários de constantes mudanças. Afinal cabe a ela – por sua inegável natureza – transformar vidas, principalmente dos excluídos, das minorias e dos marginalizados. E isto só é possível quando a escola se inclui na sociedade, se torna dona deste papel e de sua missão, pois ao fazer isso leva consigo a comunidade que a constrói e dissemina a crença e a certeza de que todos podem ser melhores num mundo mais justo e igualitário. E as tecnologias são aliadas, nunca adversários, que dever ser sabiamente utilizadas.